
Nascido em 28 de outubro de 1955 na Fazenda Estiva, em Jacobina, sertão da Bahia, José Tadeu Carneiro Cardoso — o Mestre Camisa — cresceu em uma família de capoeiristas, sendo o quarto de nove irmãos. Seu irmão mais velho, Camisa Roxa, foi aluno de Mestre Bimba e seu primeiro grande incentivador, levando-o ainda criança para treinar na academia de Bimba em Salvador. Esse contato direto com o criador da Capoeira Regional moldou sua base técnica e filosófica.
De Jacobina ao Rio: forjando o mestre
Após seus primeiros anos de aprendizado na Bahia, Camisa integrou uma turnê com o Grupo Folclórico Oludumaré, que percorria o Brasil com apresentações de samba de roda, puxada de rede, maculelê e capoeira. Em 1972, durante uma temporada no Rio de Janeiro, decidiu permanecer na cidade. Os primeiros anos foram de grandes dificuldades: chegou a dormir em rodoviárias e praias, até encontrar abrigo em uma academia de judô, onde passou a ensinar capoeira em troca de um espaço para viver e treinar. Ainda na década de 1970, aproximou-se do grupo Senzala, com quem desenvolveu intensa prática até meados dos anos 1980.
Fundação da ABADÁ-Capoeira
Em 1988, inspirado por Mestre Bimba e guiado pela necessidade de organizar a prática da capoeira de forma mais pedagógica e comunitária, fundou a Associação Brasileira de Apoio e Desenvolvimento da Arte-Capoeira (ABADÁ-Capoeira). A associação, sem fins lucrativos, cresceu de forma exponencial e tornou-se uma das maiores do mundo, presente em mais de 30 países e reunindo dezenas de milhares de praticantes. A ABADÁ consolidou um método que valoriza a disciplina, o respeito, a musicalidade e o aspecto social da capoeira, transformando-a em um instrumento de cidadania e inclusão.
“A capoeira deve ter um pé no passado e outro no futuro.”
— Mestre Camisa
Filosofia e técnica contemporânea
Mestre Camisa desenvolveu uma técnica reconhecida por sua eficiência: neutralizar adversários mais fortes com rapidez, quedas, alavancas e precisão. Sua visão mescla elementos da Capoeira Regional e da Angola, valorizando tanto a eficiência marcial quanto a musicalidade e a malícia do jogo. Sob sua liderança, a ABADÁ estruturou um sistema de graduação com cordas de diferentes cores, representando o crescimento técnico e o compromisso ético de cada capoeirista.
Reconhecimento e impacto social
Pelo seu trabalho em prol da cultura afro-brasileira, Camisa recebeu diversos reconhecimentos. Em 2010, foi homenageado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Uberlândia. Em 2018, recebeu a Medalha Thomé de Souza, honraria concedida pela cidade de Salvador, e em 2023 foi nomeado Cidadão Honorário Piauiense, pelo impacto de sua obra cultural e social.
Centro Educacional Mestre Bimba (CEMB)
Outra iniciativa marcante de sua trajetória é a criação do Centro Educacional Mestre Bimba (CEMB), em Itaboraí, no Rio de Janeiro. O espaço funciona como um polo cultural e ecológico, reunindo vivências de capoeira, oficinas artísticas, atividades comunitárias e preservação ambiental. Construído de forma sustentável, tornou-se uma referência para a integração entre capoeira, educação e natureza.
Hoje, aos 69 anos, Mestre Camisa segue ativo, conduzindo rodas, seminários e batizados no Brasil e no exterior. Sua obra se traduz em uma capoeira que é ao mesmo tempo tradição e inovação, resistência e cidadania, luta e poesia. Em cada roda da ABADÁ espalhada pelo mundo, ecoa a visão de um mestre que transformou a arte da ginga em um caminho de identidade e futuro.



