
A capoeira nasceu como uma arte de sobrevivência, mas também como uma filosofia de vida. Muito além de chutes e esquivas, ela carrega em si conceitos profundos que explicam sua força cultural e social. Entre eles, dois se destacam: a malícia e a resistência. Juntas, essas dimensões ajudaram a capoeira a atravessar séculos de perseguição e a se tornar hoje um patrimônio cultural da humanidade.
A malícia: mais que um movimento
Na capoeira, malícia não é sinônimo de enganar de forma negativa. Ela significa astúcia, criatividade e inteligência no jogo. É a capacidade de prever o movimento do outro, de esconder intenções, de jogar com ritmo e surpresa. É também saber esperar, fingir, provocar e, no momento certo, agir.
A malícia é ensinada desde cedo nas rodas, porque representa a essência da ginga: nunca seguir em linha reta, mas sim encontrar caminhos inesperados. Como dizia Mestre Pastinha:
“O capoeirista deve ser como o vento: invisível, imprevisível, mas sempre presente.”
— Mestre Pastinha
Resistência cultural e social
A história da capoeira está marcada pela resistência. Nasceu entre os africanos escravizados no Brasil como forma de defesa, mas também de afirmação cultural. Durante séculos foi criminalizada, perseguida pela polícia e associada à marginalidade. Ainda assim, resistiu. Sobreviveu nos quilombos, nas ruas, nos terreiros e nos becos, reinventando-se sempre.
Em 1937, com a fundação da primeira academia de capoeira por Mestre Bimba, deu um passo decisivo rumo à legalização e à aceitação social. Desde então, a resistência da capoeira deixou de ser apenas física e passou também a ser simbólica: lutar para preservar tradições, músicas, rituais e filosofias em meio às mudanças do mundo moderno.
“Capoeira é luta, mas é também liberdade. É a arma que nunca se deixou calar.”
— Mestre Bimba
Malícia como forma de resistência
A malícia e a resistência se encontram no modo como a capoeira sobreviveu. A astúcia dos mestres em disfarçar a luta como dança, a esperteza dos capoeiristas em se adaptar a novas realidades e a inteligência cultural em transformar repressão em arte foram, todas, expressões dessa malícia que é também resistência.
Hoje, nas rodas pelo mundo, a malícia continua viva: está no sorriso antes de um golpe, na música que dita o ritmo do jogo, na cadência da ginga que nunca é apenas um movimento, mas sim uma estratégia de vida. Ela nos lembra que resistência não é só força bruta, mas também sutileza, flexibilidade e criatividade.
Um legado vivo
Ao unir malícia e resistência, a capoeira se reafirma como arte total: corporal, filosófica e cultural. É um convite para olhar além do óbvio, encontrar brechas no impossível e transformar opressão em liberdade. É por isso que, ainda hoje, a capoeira continua sendo uma das expressões mais poderosas de resiliência cultural do povo brasileiro.



