
No Brasil colonial, os engenhos de açúcar ecoavam o som metálico das correntes. Milhões de africanos, arrancados de suas terras, foram submetidos a jornadas exaustivas de trabalho e violência. Mas, entre as paredes úmidas das senzalas, algo pulsava: um movimento de resistência, disfarçado em dança, embalado por cantos que desafiavam o silêncio imposto pela escravidão. Era o nascimento da Capoeira.
Da África ao Brasil: um idioma de resistência
Historiadores apontam que a Capoeira tem raízes em tradições de luta e rituais africanos, como o engolo angolano, transformados e reinventados em solo brasileiro (Multivix). Mais que uma técnica de combate, era um idioma corporal: golpes que simulavam dança, esquivas mascaradas de passos coreográficos, tudo para despistar os senhores e capatazes. Nos quilombos, comunidades formadas por escravizados fugitivos, a Capoeira se tornava treino de guerra e ritual de união. Era também espaço de celebração: o canto, o ritmo e o corpo em movimento lembravam que, mesmo sob a escravidão, a identidade africana não havia sido apagada. A ginga simbolizava adaptação, flexibilidade e, sobretudo, a esperança de liberdade.“A Capoeira era arma e celebração, sobrevivência e identidade.”
Da marginalização à proibição
No século XIX, a Capoeira ganhou fama perigosa nas cidades. Crônicas da época descrevem capoeiristas divididos em grupos de rua, alguns ligados a irmandades ou associações populares, que desafiavam autoridades em emboscadas noturnas. O jogo se confundia com luta real, e os praticantes eram vistos como ameaças à ordem. Em 1890, o Código Penal da República criminalizou a prática, autorizando prisões e castigos a qualquer pessoa flagrada jogando Capoeira (Educação Pública – CECIERJ). Muitos mestres foram perseguidos, e a arte quase desapareceu das ruas. Ainda assim, ela sobreviveu nas periferias, transmitida em segredo, camuflada em festas populares e rodas improvisadas.Mestres que mudaram a história
No século XX, a Capoeira encontrou novos caminhos, liderados por três mestres fundamentais:- Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado) desenvolveu a Capoeira Regional, introduzindo sequências didáticas, novos movimentos e uma pedagogia estruturada. Em 1937, obteve o reconhecimento oficial de sua academia em Salvador, tornando-se um marco na legalização da Capoeira (Governo Federal do Brasil).
- Mestre Pastinha, por outro lado, preservou a Capoeira Angola, mantendo viva a malícia, o jogo próximo ao chão, os rituais e o vínculo espiritual com a ancestralidade africana (Mapa da Cultura – MinC).
- Mestre Camisa, discípulo direto de Bimba, seguiu esse legado e fundou a ABADÁ-Capoeira em 1988. Sua visão ampliou a Capoeira para além do Brasil, unindo tradição e modernidade, e transformando-a em um movimento educacional e cultural global.



