Capoeira História e Evolução
Cência a serviço da capoeira
Projeto "AbadÁcadêmico"
O estímulo ao conhecimento científico sempre foi um valor incentivado por Mestre Camisa desde a fundação da ABADÁ-Capoeira. Palestras, seminários, cursos e outras iniciativas educativas vêm sendo promovidas ao longo das décadas, fortalecendo a capoeira não apenas como prática corporal, mas também como objeto de estudo, reflexão e transformação social.
Atendendo a esse ideal, foi criado em 2016 o Projeto Abadá Acadêmico, cuja primeira edição ocorreu na cidade de Petrolina-PE, sob supervisão de Mestre Camisa e com apoio da representação local dentro da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Desde então, o evento já teve oito edições, realizadas em diferentes cidades como Curitiba-PR e Fortaleza-CE, demonstrando seu caráter itinerante e inclusivo.
O objetivo central do AbadÁcadêmico é fomentar a produção de conhecimento científico sobre a capoeira, envolvendo diferentes áreas do saber — das ciências da saúde às ciências humanas — por meio de pesquisas originais, ensaios e relatos de experiências vividas em projetos da ABADÁ-Capoeira. A cada edição, um livro é publicado reunindo todo o conteúdo gerado, que passa a compor o acervo de estudos sobre a capoeira e servir de base para pesquisas futuras.
Além de impulsionar o debate acadêmico, o projeto também contribui para a formação de capoeiristas com domínio técnico e científico, fortalecendo o papel da capoeira como ferramenta educacional e cultural. Esses profissionais tornam-se agentes ativos na valorização e no reconhecimento da capoeira na sociedade, atuando em diversas frentes com responsabilidade e conhecimento — exatamente como propõe a missão da ABADÁ-Capoeira desde sua origem.
“Conhecimento e cultura caminham juntos. Quando a capoeira é estudada, valorizada e compartilhada, ela se fortalece como arte e como legado.” — Mestre Camisa
Breve história da Capoeira

Mais de 10 milhões de indígenas no Brasil antes da chegada dos portugueses. No litoral da Bahia viviam tupinambás e tupiniquins; no interior, aimorés. Colonização europeia começa a explorar e ocupar rapidamente o “Novo Mundo” assim como a formação de quilombos e possíveis práticas do engolo.

Diante da necessidade de mão de obra e sem poder escravizar os nativos, começam a desembarcar no Brasil os primeiros africanos escravizados. Principais portos: Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Luís.
Muitos historiadores consideram 1548 como o marco inicial da chegada de africanos escravizados em grande escala ao Brasil — quando Tomé de Souza, primeiro governador-geral, trouxe consigo contingentes de cativos vindos da África.

Em 29 de março de 1549, Tomé de Souza desembarcou na Baía de Todos-os-Santos e fundou Salvador, a primeira capital do Brasil. A cidade foi erguida como centro administrativo da colônia portuguesa e se tornou um dos principais portos do Atlântico.
Por Salvador entraram milhares de africanos escravizados, que trouxeram consigo saberes, tradições e espiritualidades. Nesse encontro marcado pela dor da escravidão, mas também pela força da resistência, floresceu a capoeira, que encontrou na cidade um de seus mais importantes berços.
Assim, a data de 1549 não marca apenas o início da primeira capital brasileira, mas também o começo de um processo histórico que faria de Salvador um símbolo da herança africana e da cultura popular do Brasil.

O primeiro registro escrito sobre a capoeira remonta ao final do século XVI, na obra “Do Clima e da Terra do Brasil”, do padre Fernão Cardim.
Na página 64 del Tratado da terra e gente do Brasil – Fernao Cardim
Aparece la palabra «copueras» similar a «capoeiras».
Nesse relato, o jesuíta descreveu práticas corporais e lúdicas realizadas pelos africanos escravizados e seus descendentes, que misturavam movimentos de luta, dança e brincadeira.
Embora ainda não nomeada como “capoeira”, a descrição de Cardim é considerada um dos indícios mais antigos da presença dessa expressão no Brasil. O texto mostra como, desde os primeiros tempos da colonização, os africanos utilizaram o corpo, o ritmo e o jogo como formas de resistência cultural e preservação de identidades diante da escravidão.
Esse registro é fundamental para compreender as raízes históricas da capoeira, revelando que, muito antes de ser reconhecida como patrimônio, ela já se manifestava como parte viva da formação cultural do Brasil.

Em 1597, registros coloniais apontam uma grande fuga coletiva de escravizados no Brasil. Esses movimentos de resistência eram frequentes desde o início da colonização, mas naquele ano ganharam destaque pela dimensão da rebelião.
A fuga em massa não foi apenas uma tentativa de conquistar liberdade, mas também um marco na formação de quilombos e comunidades autônomas, onde os africanos e seus descendentes preservavam tradições, crenças e modos de vida.
Nesses espaços de resistência, a capoeira começou a se fortalecer como prática de luta e defesa, ao mesmo tempo em que mantinha sua dimensão cultural e ritual. O episódio de 1597 simboliza, assim, a determinação e coragem daqueles que, mesmo diante da opressão, buscaram construir caminhos de liberdade.

O Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga (atual Alagoas), foi o maior e mais duradouro quilombo do período colonial brasileiro. Surgido no século XVII, tornou-se símbolo da resistência negra à escravidão, abrigando milhares de africanos fugitivos, seus descendentes, indígenas e até brancos pobres.
Palmares se organizava como uma verdadeira comunidade, com agricultura, comércio e formas próprias de governo. Entre seus líderes mais conhecidos estão Ganga Zumba e Zumbi dos Palmares, este último transformado em ícone da luta pela liberdade.
A capoeira, nesse contexto, foi um dos instrumentos de defesa e identidade cultural dentro dos quilombos, ajudando a fortalecer os laços de solidariedade e a preservar tradições africanas.
O Quilombo dos Palmares resistiu por quase um século às investidas coloniais, e sua memória permanece como um dos maiores marcos da luta contra a opressão e pela liberdade no Brasil.

Em 1630, durante o período da ocupação holandesa em Pernambuco, surgiram registros de uma comunidade conhecida como “Pequena Angola”, no Recife. Esse espaço foi formado por africanos e seus descendentes que, mesmo em meio à repressão colonial, conseguiram preservar práticas culturais, religiosas e corporais ligadas às suas origens.
Na Pequena Angola, rituais, cantos e danças se misturavam a práticas de defesa que mais tarde seriam identificadas como elementos da capoeira. O local tornou-se um exemplo de resistência cultural, onde a herança africana era reafirmada e transmitida de geração em geração.
Esse marco mostra como, já no século XVII, a capoeira estava profundamente enraizada nas comunidades negras urbanas, sendo parte essencial da identidade e da luta pela liberdade no Brasil.
Em Palmares já existiam três povoados bem organizados, chamados Angola Janga (“Pequena Angola”, em kimbundu).

Nasce (em Palmares) aquele que seria conhecido como Zumbi; criança capturada e entregue a um padre, recebe o nome Francisco; aprende português e latim.
Zumbi, foi o primeiro herói da independência do Brasil. Mais um dístico no pedestal do guerreiro dos Palmares, pioneiro do abolicionismo e personificação da consciência negra no País. Além de inspiração para a luta contra o racismo e exemplo da afirmação de afrodescendentes, ele deve ser reverenciado como o primeiro líder político a rejeitar o jugo colonial e propor a seus conterrâneos e seguidores a criação de um novo país em terras americanas.
Figura central da luta contra a escravidão, Zumbi se tornou um dos maiores líderes da resistência. Em 1670, com 15 anos, foge e retorna a Palmares. Seu nome ecoa nas rodas até hoje.

Grande expedição liderada por Domingos Jorge Velho ataca Palmares e consegue romper as defesas. Parte dos guerreiros foge pela serra; Zumbi sobrevive e volta à guerrilha mas somento 1 ano depois, Zumbi foi morto, mas sua memória tornou-se símbolo eterno de resistência.

"Capoeira" é registrada no dicionário do padre Rafael Bluteau e aparece como sinônimo de “cesto” ou “gaiola”. É uma das primeiras referências lexicais da palavra mas ainda sem sentido de luta.

Conhecido como tenente João Moreira, o Amotinado, era um oficial de milícias e escravo do Marquês do Lavradio, vice-rei da cidade. Foi acusado de crimes mas era conhecido por saber se defender e brigar como ninguém. Quem nos conta isto é o escritor Joaquim Manuel de Macedo, em seu saboroso livro de crônicas Memórias da Rua do Ouvidor*.

Documentos da polícia da Bahia mencionam grupos de capoeiristas atuando nas ruas. A prática era considerada perigosa e ligada a desordens sociais.

D. João VI criou a Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro, a través do decreto de 13 de maio de 1809 com a finalidade de prover a segurança e a tranquilidade pública da Corte.
O Major Nunes Vidigal foi nomeado chefe e foi perseguidor notório de capoeristas, no entanto o major Vidigal era por si só um exímio capoerista.
Por essa razão, durante o ano 1809, a Guarda Real intensifica a perseguição aos capoeiristas. Prisões, castigos e deportações se tornam comuns.

Entre 1821 e 1832, a capoeira, vista como uma prática marginal e violenta, era reprimida no Brasil com punições severas. A capoeira era associada à criminalidade e à perturbação da ordem pública, especialmente após a independência do país. Os praticantes eram frequentemente presos e castigados, refletindo o medo e a desconfiança da elite em relação a essa manifestação cultural.
É então escrita a nova carta da Comissão do Rio onde os códigos de lei punem capoeiristas com chibatadas, prisão e degredo. Mesmo assim, a prática continua viva nas margens da sociedade. Podem ver a carta aqui.

Jean-Baptiste Debret retrata um homem com berimbau (Joueur d’Uruncungo) e publica litografias retratando capoeiristas no Rio. São imagens fundamentais para entender o período.

O artista alemão Johann Moritz Rugendas publica gravuras retratando a capoeira. São os primeiros registros visuais conhecidos da prática no seu livro "Voyage Pittoresque"

A Guerra do Paraguai, também conhecida como a Grande Guerra, foi o maior conflito armado da história da América do Sul, ocorrendo entre 1864 e 1870. Envolveu o Paraguai contra a Tríplice Aliança, formada por Brasil, Argentina e Uruguai. As causas da guerra são complexas e debatidas, mas envolvem disputas territoriais, rivalidades regionais e interesses políticos e econômicos.
Embora a capoeira não tenha sido uma tática militar na Guerra do Paraguai, ela desempenhou um papel importante como símbolo de resistência, identidade cultural e memória histórica do conflito.
Capoeiristas foram recrutados para lutar na guerra, aproveitando suas habilidades de combate e com promessa de liberdade; alguns são reconhecidos como heróis.

Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil. Apesar da liberdade concedida, a população negra continuou a enfrentar marginalização e desigualdade social.
A capoeira, prática cultural de origem africana, tornou-se um símbolo de resistência e identidade para a população negra no período pós-abolição. Originada como uma forma de luta disfarçada, a capoeira se desenvolveu como uma expressão cultural rica em história, música, dança e luta. Através da capoeira, os praticantes encontraram um espaço para afirmar sua identidade, fortalecer laços comunitários e resistir às opressões da época.

Mestre Pastinha nasceu no dia 5 de abril de 1889, na cidade de São Salvador. Era filho de José Pastinha, um espanhol, e Raimunda dos Santos, uma negra vendedora, que o ajudava no trabalho do mascate.
Ele afirmou ter aprendido a Capoeira a partir dos dez anos, com um africano, chamado Benedito, negro natural de Angola. Mestre Pastinha, aos 12 anos de idade, foi para a escola de marinheiros e lá teria começado o trabalho de ensino da Capoeira. Saiu desse espaço após 20 anos de idade.
Além do jogo do bicho, trabalhou de engraxate, vendedor de jornais, mas para ele esses ofícios eram passageiros. Ele afirmou: "minha arte é a de ser pintor, artista". Mestre Pastinha era letrado, tendo escrito um livro, e deixou farto material publicado pelo Mestre Doutor Dêcanio, aluno de Mestre Bimba.

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Código Penal de 1890:O artigo 402 do Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, datado de 11 de outubro de 1890, incluía a capoeira no capítulo "Dos vadios e capoeiras".
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Pena:A prática da capoeira nas ruas e praças públicas, incluindo o uso de armas ou instrumentos que pudessem causar lesões, era passível de prisão celular de dois a seis meses.
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Agravantes:Ser membro de uma "banda ou malta" e a posição de líder eram consideradas circunstâncias agravantes, com penas dobradas.
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Estrangeiros:Estrangeiros praticantes da capoeira poderiam ser deportados após cumprirem a pena.

Manoel Henrique Pereira (c. 1895–1924), mais conhecido como Besouro Mangangá, nasceu em Santo Amaro, Bahia, e se tornou um dos maiores mitos da capoeira. Famoso por sua valentia, ficou marcado por lendas que diziam que “feitiços o protegiam das balas”, dando-lhe o chamado corpo fechado.
Aprendeu capoeira nas ruas com Mestre Alípio e, em uma época em que a prática era criminalizada, enfrentou autoridades sem medo. Sua fama cresceu tanto que surgiram histórias de que podia até se transformar em um besouro para escapar dos perigos.
Em 1924, foi morto em Maracangalha com uma faca de tucum, considerada a única capaz de romper sua proteção mística. Apesar da morte precoce, seu legado atravessou gerações: alunos de Besouro influenciaram mestres como Cobrinha Verde e Siri de Mangue, que ajudaram a manter viva sua memória.
Hoje, Besouro Mangangá é lembrado como um símbolo eterno da capoeira baiana, expressão de resistência, liberdade e identidade cultural.

Nasce Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado), criador da Capoeira Regional, incorporando elementos do batuque e metodologia própria. Quando Bimba nasceu, a capoeira era praticada nos portos e mercados populares, onde a maioria dos trabalhadores eram negros e literalmente lutavam, se enfrentavam fisicamente, pelo emprego, pelo trabalho ou simplesmente pela atenção das mulheres. Capoeira não era apenas uma prática, era também um tipo social. O “capoeira” era um marginal que ameaça a ordem pública.

No Rio de Janeiro, o capoeirista Senhor Francisco da Silva Cyríaco, mais conhecido como Cyríaco Macaco Velho luta contra o campeão japonês de jiu-jitsu Sada Miako, um evento autorizado pela polícia como “luta brasileira”. Com surpreendente rabo-de-arraia vencera o campeão que, perplexo, não aceitou a revanche que, ainda no tablado, lhe foi oferecida pelo capoeira.

Em 1907 é a vez de um oficial do exército escrever a respeito da Capoeira. Através de sua publicação “O Guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira”, O.D.C. (como intitula-se o oficial autor do livro) abre precedentes para outra publicação datada de 1928 e escrita por Coelho Neto, que lança uma proposta pedagógica de inclusão da Capoeira nas escolas civis e militares. Em seu artigo “Nosso Jogo”, Coelho Neto relata que quase enviou em 1910 um projeto de lei para a Câmara dos Deputados visando tornar o ensino da Capoeira obrigatório naquelas instituições. Podem encontrar uma copia aqui.

Em 1928, Aníbal Burlamaqui, militar e capoeirista, publica o primeiro livro didático chamado “Ginástica Nacional (Capoeiragem) Metodizada e Regrada” que fala sobre a capoeira, descrevendo golpes e sequências. O autor se foca principalmente nas regras e características do pugilismo, desenvolve um método e um código de regras para a prática do “jogo desportivo da Capoeira”. Para tal intuito despreza totalmente o lado lúdico, cultural e artístico inerente a esta modalidade, deixando de lado a música e os instrumentos e privilegiando apenas seu caráter de luta esportiva.

Mestre Bimba funda, em Salvador (Engenho Velho de Brotas), o Centro de Cultura Física e Capoeira Regional da Bahia (primeira academia registrada). Metodologia profissionalizada e foco em reputação.

Mestre Bimba apresenta seu estilo ao presidente Getúlio Vargas; obtém autorização para abrir a primeira escola e a penalização é abolida.

Para contrapor a transformação da Capoeira promovida por Mestre Bimba, em 1941 Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha, 1889-1981) fundou a primeira escola de Capoeira Angola, o Centro Esportivo de Capoeira Angola. Mestre Pastinha acreditava na preservação das raízes “pré-Bimba” da Capoeira e enfatizava as práticas culturais herdadas dos ancestrais escravizados.
As diferenças mais marcantes entre a Capoeira Angola e a Capoeira Regional estão nos instrumentos e canções utilizados nas rodas, nos tipos de ataques aplicados, assim como na velocidade e na altura em que são executados.
A Capoeira Angola é amplamente considerada a “mãe” da Capoeira Regional. Podem encontrar neste videos algumas dos primeiros momentos da escola.

Nasce em Jacobina (Bahia) Mestre Camisa Roxa (Edelmiro Carneiro Cardoso), irmão de Mestre Camisa. Também discípulo de Mestre Bimba, transferiu-se para o Rio de Janeiro nos anos 1970. Conhecido por sua energia e dedicação, teve papel fundamental na consolidação da capoeira baiana no Sudeste e na formação de muitos capoeiristas.

Mestre Bimba leva alguns alunos a São Paulo para competir com outras lutas. Em 1950, Mestre Bimba viajou por vários estados apresentando a capoeira. Começa a expansão da capoeira baiana por todo o Brasil.

Jovens baianos, alunos de mestres como Bimba e Pastinha, começam a se deslocar para o Sudeste (principalmente Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo), levando a capoeira para novas plateias. A arte ganha espaço em universidades, centros culturais e academias.
A Confederação Nacional de Desportos inclui a capoeira como prática esportiva e o Conselho Nacional de Desportos oficializa a capoeira como modalidade esportiva do Brasil.

Nasce em Jacobina (Bahia) Mestre Camisa (José Tadeu Carneiro Cardoso). Desde cedo treinou na Academia de Capoeira Regional de Mestre Bimba. Em 1972 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se destacou como professor e organizador de rodas históricas, trazendo disciplina e uma nova forma de ensino da capoeira.

Depois que muitos discípulos de Mestre Bimba e Mestre Pastinha migraram para o Rio de Janeiro e São Paulo, surge o embrião da capoeira-show, em apresentações folclóricas e culturais, especialmente em hotéis e companhias de dança, que ajudaram a divulgar a arte. A aceitação da capoeira pela sociedade também se torna visível no número crescente de espetáculos em palcos, em apresentações e em shows promovidos por associações, clubes e empresários da época – as décadas de 1960 e 1970. Alguns desses espetáculos, na Bahia e em outros estados, eram voltados para turistas, mas no Rio de Janeiro muitos tinham como público os próprios cariocas, que ainda não estavam familiarizados com a capoeira moderna. Como mostrou Ana Höfling (2019), na Bahia, levar a capoeira para o palco teve um impacto profundo na própria arte.
Todos esses eventos e lançamentos foram noticiados primeiro pela imprensa e, logo depois, pelo rádio e pela televisão. Como é bem conhecido entre os estudiosos, a arte migrou das páginas policiais para as páginas de cultura e esportes, deixando um rastro que permite, hoje, reconstruir essa história. A capoeira esteve presente no rádio desde a primeira gravação de Almirante, que foi ao ar em 1938, na Rádio Nacional. Em 1963, o jornalista André Lacé lançou o primeiro programa regular sobre capoeira, Rinha de Capoeira.

Em 1966, a realização desse campeonato sinalizou um momento significativo na trajetória da capoeira, reunindo duas vertentes fundamentais da arte — Angola e Regional — em um palco único e de grande visibilidade. O evento atraiu mais de duas mil pessoas, tornando-se um marco visual da convergência entre tradições que por muito tempo coexistiram de forma separada Velhos Mestres.
Além de celebrar a arte, a imagem capturada permanece como símbolo de unidade e respeito entre Mestres que nem sempre mantiveram diálogo entre si — como Mestre Bimba e Mestre Pastinha, cuja convergência na mesma foto transcende diferenças pessoais e reforça a força histórica da capoeira como expressão coletiva

A década de 1970 foi um período decisivo para levar a capoeira além do Brasil. Mestres como Nestor Capoeira começaram a ensinar na Europa a partir de 1971, Mestre Lucídio atuou no Japão, e Jelon Vieira estabeleceu bases nos Estados Unidos em 1975, criando a Capoeira Foundation em 1976.
O grupo Brasil Tropical, liderado por Grão-Mestre Camisa Roxa (aluno de Mestre Bimba), fez turnês pela Europa a partir de 1973 — um marco fundamental para a internacionalização da capoeira. De ai,
Fundou o grupo Brasil Tropical, primeira viagem para a Europa, apresentando a Capoeira e a cultura brasileira.
1975 - A partir daí várias demonstrações de capoeira em academias de artes marciais (Paris, Cannes, Bruxelas, Munique, etc.)
1979 - Fundação da sede em Munique, Alemanha e depois em Salzburg, Áustria (1985-86) consolidação da Capoeira em vários países da Europa.
1980-s - Presença em vários encontros de capoeira em Amsterdam, Paris, Hamburgo e Berlim realização de cursos de Capoeira com Mestre Camisa na Europa e outros países.

A padronização pedagógica da capoeira não foi um evento isolado que possa ser datado em 1980, mas sim um processo gradual ao longo do século XX, com marcos importantes já nas décadas de 1930 e 1970. A legalização da capoeira em 1937, concedida por Getúlio Vargas após uma apresentação de Mestre Bimba, foi um passo decisivo. No entanto, a padronização só se consolidou mais tarde, com o fortalecimento da Capoeira Regional e a influência de outros mestres.
Na década de 1930, Mestre Bimba introduziu um sistema de graduação baseado em lenços de seda coloridos — azul, vermelho, amarelo e branco — para diferenciar os níveis de aprendizado dentro do Centro de Cultura Física Regional. Com o passar do tempo, muitos grupos substituíram os lenços pelas cordas (ou cordões), em um paralelo simbólico com os sistemas de faixas de outras artes marciais, adaptação que marcou a capoeira regional.
Até hoje, permanecem divergências entre os grupos quanto às cores, ao número de graduações e ao simbolismo atribuído a cada uma delas — parte da diversidade e da riqueza cultural da capoeira. Foi também nesse período que se consolidou uma nova geração de mestres, descendentes da linhagem de Bimba e Pastinha, responsáveis por fundar associações e grupos organizados, garantindo a continuidade e a expansão da arte.

Em 1988, no Rio de Janeiro, Mestre Camisa fundou a Associação Brasileira de Apoio e Desenvolvimento da Arte-Capoeira (ABADÁ-Capoeira). A entidade surgiu com o propósito de difundir a capoeira pelo Brasil e pelo mundo, preservando suas raízes culturais enquanto introduzia um modelo de ensino estruturado e organizado.
Inspirado na tradição da Capoeira Regional e no legado de grandes mestres, Camisa buscou criar uma escola que unisse disciplina pedagógica, consciência social e a força da roda como espaço de cultura e identidade.
Ao longo dos anos, a ABADÁ se consolidou como um dos maiores grupos de capoeira do mundo, presente em dezenas de países e responsável por formar gerações de capoeiristas. Mais do que um movimento cultural, a associação se transformou em uma rede internacional de ensino, arte e cidadania, levando a capoeira a palcos, projetos sociais, universidades e comunidades em todo o planeta.

Em 1995, a ABADÁ-Capoeira realizou seu Primeiro Campeonato Mundial, no Rio de Janeiro, reunindo capoeiristas do Brasil e de diversos países. O evento marcou um passo decisivo para a projeção internacional do grupo e para a consolidação da capoeira como prática global.
Mais do que uma competição, o mundial se tornou um espaço de intercâmbio cultural, onde mestres, alunos e simpatizantes compartilharam vivências, saberes e tradições. A ginga, o canto e o toque do berimbau deram o tom de um encontro que celebrava tanto a arte-luta quanto a comunidade mundial da capoeira.
Esse marco histórico firmou a ABADÁ-Capoeira como referência internacional, ampliando sua presença em dezenas de países e fortalecendo a missão de difundir a capoeira como cultura, educação e inclusão social. Pode ver um dos videos desse ano aqui.

A capoeira, reconhecida mundialmente como patrimônio cultural do Brasil, vai muito além do jogo e da luta: ela é expressão de música, ritmo, corpo e comunidade. Por essa riqueza, tem se mostrado uma prática poderosa em projetos voltados para a inclusão de pessoas com deficiência.
Em diversas iniciativas sociais e educacionais, a capoeira vem sendo adaptada para atender pessoas com deficiência física, visual, auditiva e intelectual, permitindo que cada participante explore suas potencialidades. O gingado, os toques do berimbau e o canto coletivo criam um espaço de acolhimento, estimulando a coordenação motora, autoestima, socialização e pertencimento.
Professores e mestres desenvolvem métodos específicos, como adaptações de movimentos, uso do ritmo como guia e valorização das habilidades individuais. Assim, a roda de capoeira se transforma em um ambiente onde diferenças são respeitadas e todos podem participar, cada um no seu tempo e jeito.
A inclusão da capoeira em projetos sociais não só amplia o acesso à arte, mas também reafirma sua essência de resistência e liberdade: uma prática nascida da superação e que, ainda hoje, inspira a quebrar barreiras e construir comunidades mais justas e solidárias.

Em 2003, a capoeira alcançou um marco histórico: sua inclusão obrigatória no currículo das escolas brasileiras. A Lei nº 10.639/2003, sancionada em 9 de janeiro, alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tornando obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira em todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados.
Nesse contexto, a capoeira, reconhecida como uma das expressões culturais mais fortes da herança africana no Brasil, passou a ser não apenas uma atividade física ou artística, mas também um instrumento pedagógico. Ela contribui para o ensino da história, da música, da identidade cultural e da valorização da diversidade, fortalecendo o respeito às raízes afro-brasileiras.
Com a lei, a capoeira ganhou maior espaço no ambiente escolar, sendo utilizada em aulas de educação física, projetos interdisciplinares e atividades culturais. Essa conquista representou um passo fundamental para o reconhecimento da capoeira como patrimônio educacional, cultural e social do Brasil.

Em 2008, a capoeira foi oficialmente reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Esse título reafirma a importância da capoeira não apenas como luta e dança, mas como uma expressão cultural completa, que reúne música, corpo, oralidade, ancestralidade e identidade afro-brasileira.
O reconhecimento pelo IPHAN garantiu à capoeira maior visibilidade e proteção, fortalecendo políticas públicas de valorização e preservação dessa tradição. Além disso, contribuiu para legitimar o papel dos mestres e comunidades de capoeira como guardiões de um saber transmitido de geração em geração.
Mais do que um título, essa conquista consolidou a capoeira como símbolo de resistência, liberdade e diversidade cultural, celebrando sua trajetória desde os tempos de repressão até o reconhecimento como parte essencial do patrimônio do povo brasileiro.

Em 2014, a capoeira recebeu um dos maiores reconhecimentos internacionais de sua história: foi declarada pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. O título consolidou a capoeira não apenas como prática corporal e musical, mas como um símbolo universal de resistência, identidade e diálogo cultural.
Esse reconhecimento reforçou a importância dos mestres e comunidades de capoeira como guardiões de uma tradição transmitida de geração em geração, desde seus tempos de repressão até sua difusão mundial.
Mais do que um marco histórico, a decisão da UNESCO ampliou a visibilidade da capoeira em escala global, garantindo maior apoio para sua preservação, valorização e promoção como expressão cultural viva, capaz de unir pessoas em todos os continentes.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que orienta a educação básica no Brasil, incluiu a capoeira como parte das práticas corporais a serem trabalhadas nas escolas. Esse reconhecimento reforça o papel da capoeira não apenas como atividade física, mas como um instrumento pedagógico, cultural e social.
Na BNCC, a capoeira aparece no eixo da Educação Física, valorizando sua dimensão histórica, artística e musical. Ao ser ensinada no ambiente escolar, promove o respeito à diversidade cultural, fortalece a identidade afro-brasileira e desenvolve habilidades como ritmo, coordenação, cooperação e criatividade.
Essa inclusão consolida a capoeira como uma das principais expressões da cultura nacional presentes na formação dos estudantes, garantindo que novas gerações tenham contato com sua riqueza e legado.
